Muito além de problema ambiental, perdas chegam a 30% da produção anual”
Por: Sabrina Pires
Você pode não ver, mas elas matam gigantes como baleias e podem encarecer o peixe que você compra no mercado. As redes de pesca viraram uma praga. Segundo estimativas das Nações Unidas, por ano, 640 mil toneladas de equipamento de pescas são descartados nos oceanos. Os chamados petrechos fantasmas são chamados assim porque são abandonados, perdidos ou descartados intencionalmente. Em pouco mais de 20 anos, o problema passou de assunto de ambientalista para preocupação política, econômica e social. O mar virou um grande lixão. As redes fantasmas representam 70% dos plásticos boiando nas águas. Acha pouco? É realmente pior do que isso: essas redes são verdadeiras armadilhas, três vezes mais letais que outros detritos marinhos. O que, de acordo com a FAO (Escritório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), é uma ameaça à segurança alimentar.
Perigo nos mares – Em 2018, seis baleias (uma em São Paulo, e cinco em Santa Catarina) morreram enroscadas em redes “sem dono” que vagavam por aí. Os dados foram apresentados pelo Instituto Baleia Jubarte, no evento realizado no “Dia Internacional Pare a Captura Acidental”, no dia 1 de dezembro, em Santos, litoral paulista. De acordo com Milton Marcondes, do Instituto, é um sofrimento prolongado e desnecessário. “Um caso monitorado em 2013 de uma baleia franca mostrou que ela se prendeu na Bahia e seguiu com a rede até Santa Catarina: foram 1600 quilômetros presa”.
No Brasil, as costas mais perigosas são Bahia, Santa Catarina e São Paulo, locais com maior registros de emalhes (redes de pesca passiva, em peixes e crustáceos ficam presos em suas malhas).
“Não ficamos sabendo de todos os casos, os números são maiores do que temos oficialmente”, alerta Marcondes. O pior ano foi o de 2016, com 16 baleias enroscadas em equipamento de pesca. “Presas, elas morrem por falta de respiração, de fome e com infecções”, explica Mia Morete, fundadora da ONG Viva Baleias, Golfinhos e Cia, “os emalhes das baleias são uma das piores formas de mortalidade causada por humanos aos animais selvagens”.
No mundo, os especialistas falam em 300 mil cetáceos (mamíferos aquáticos como baleias e golfinhos) mortos por ano por redes fantasmas ou por pesca acidental (bycatch). O número é um cálculo da IWC – International Whaling Commission. “É a maior ameaça para os mamíferos marinhos no planeta, é mais grave que a caça”, diz a bióloga Mia Morete.
Perigo no bolso – Mas o que tem a ver baleia morrer enroscada na rede com segurança alimentar? Basicamente, as redes fantasmas não representam lucro para ninguém. Nem para o animal que morre, nem para os pescadores que deixam de faturar. Se do ponto de vista ambiental é um massacre, do lado econômico também é de se considerar. As perdas com equipamentos pesqueiros à deriva afetam até 30% da produção mundial por ano. São os estoques pesqueiros que diminuem. Se nada for feito, em alguns anos, o resultado pode ser espécies desaparecerem. E como no mar todos estão ligados uns aos outros, a falta de alguns desequilibra tudo o que acontece por lá. E por aqui em terra também. Porque na hora que for pedir um peixinho frito, se ainda tiver, vai custar bem caro.
Mas antes de ficar complicado para o consumidor, a situação piora para quem vive da pesca. E isso já acontece. É o impacto social. A rede vem cada vez mais vazia e o trabalhador precisa sustentar a família, pagar as contas, só que não consegue. “Esse processo atinge o recurso pesqueiro das cidades”, afirma Maurício da Cruz Forlani, gerente de pesquisa da ong World Animal Protection. Em outras palavras, proteger animais marinhos e a saúde dos oceanos significa também garantir empregos. “O mundo deve entender a importância dos animais para todos nós, agora é uma questão política”, defende Forlani.
Como sair do enrosco? – Reduzir, remover e reciclar. Essa é a base do GGGI (Global Ghost Gear Iniciative) lançada em 2015 para organizar um roteiro de boas práticas com equipamentos pesqueiro. Ongs, indústria, academia e governos (como Canadá e Alemanha) se juntaram em defesa dos mares. No início de 2018, o Comitê de Pesca da FAO, aprovou a resolução de combate à pesca fantasma e recomenda o guia de forma oficial. Em junho deste ano, o grupo aprovou diretrizes para o uso de material mais resistente e a marcação de redes com etiquetas com QR code. As medidas buscam evitar perdas e a possibilidade de rastreamento. “É importante porque a marcação é a principal forma de combate da pesca fantasma, você acha a rede e devolve para quem é o responsável”, conclui Forlani.