por Ulisses Nenê – especial para a EcoAgência

Nunca houve nada igual, dizem apicultores. Pelo menos 250 mil colmeias desapareceram no Rio Grande do Sul em 2015. Culpa é dos agrotóxicos usados nas lavouras, apontam os especialistas

Chocados, tristes, desanimados. É como se sentem muitos apicultores do Rio Grande do Sul diante da assustadora mortandade das abelhas em suas colmeias. Pelo menos 250 mil colmeias desapareceram no Rio Grande do Sul em 2015. Todos os especialistas ouvidos não têm dúvidas em afirmar que a responsabilidade é dos agrotóxicos, usados descontroladamente nas lavouras, além do desmatamento que não para de aumentar.

“No Estado a morte de abelhas tornou-se generalizada, principalmente em áreas com uso intensivo de agrotóxicos”, afirma o coordenador da Câmara Setorial de Apicultura e Meliponicultura da Secretaria Estadual da Agricultura (Casam), Nadilson Ferreira. “O problema atinge maiores proporções nas regiões da Depressão Central, Missões, Alto Uruguai e parte da Campanha. Os agrotóxicos estão acelerando a perda de biodiversidade e contribuindo para o extermínio das populações de abelhas”, completa.

O fenômeno da mortandade tem um impacto muito grande no Estado, já que o Rio Grande do Sul é o maior produtor de mel do Brasil. São cerca de 30 mil apicultores, que produzem em torno de oito mil toneladas por ano (60% na primavera e 40% no outono). A metade é exportada, principalmente para a Europa, e a outra parte consumida no mercado interno.

Abelhas mortas da espécie nativa Jataí
Um temor que ronda os apicultores que trabalham com exportação é que, a continuar assim, o mel gaúcho passe a sofrer restrições e a perder valor nos países compradores por causa da contaminação por esses venenos. “Com toda essa desgraça (das mortes por envenenamento) o mel gaúcho ainda é considerado orgânico”, ressalta Ferreira.

O período de maior colheita, a primavera, é justamente o de maior atividade agrícola no Estado e de maior extermínio destes insetos pelos venenos jogados nas plantações. Estima-se que as perdas decorrentes, tanto de colmeias como da produção de mel, andem em torno de 30% a 40%, quase a metade. Mas os apicultores que ouvimos apontam um prejuízo muito acima disso.

Morte anormal
Os produtores de mel, de forma geral, contam que as abelhas começaram a morrer de forma anormal, sem nenhuma doença ou desnutrição que justificasse, há cerca de três ou quatro anos. É o caso de Luiz Darci Demo Garlet, 60 anos, que entre dezembro e janeiro último perdeu nada menos que 600 das 1.200 colmeias que tinha em Cruz Alta, no Noroeste do Estado.

Desde 2013 ele já vinha tendo perdas por causa dos agrotóxicos, de 100 a 200 caixas, onde ficam as colmeias, por ano. Ele tem certeza que a causa, desta última vez, foi um veneno ainda mais forte que usaram para atacar o “tamanduá-da-soja”, um inseto que raspa o caule da planta. Outros venenos, como os da lagarta da soja, relata, não matam tanto, mas deixam as abelhas desorientadas, fracas, e acabam perecendo também.

Como boa parte dos apicultores, ele acomoda as colmeias em propriedades de outras pessoas mediante o pagamento de uma comissão. Por isso, muitos como ele não reclamam e não informam o ocorrido aos órgãos de fiscalização ambiental. “Não podemos reclamar, porque senão os donos das terras vão dizer ‘pega tuas caixas (de abelhas) e vai embora’. Não tem o que fazer, fazer o quê?”, indaga o apicultor. Ele calcula que vai demorar quase dois anos para recuperar o que perdeu, isso se a mortandade não continuar.

“Outra dificuldade é a falta de lugar para colocar as abelhas porque estão terminando com os matos e elas têm que ser colocadas na sombra, porque se as colmeias ficarem no sol morrem todas”, acrescenta. Garlet que normalmente tirava 30 toneladas de mel por safra, este ano colheu apenas 11 toneladas com a perda de tantas colmeias: “Meus dois funcionários ficaram até mais chocados que eu. Tinha um apiário com 25 colmeias novas, lindas, bonitas, morreram as 25. Isso entristece muito”, lamenta.

Nunca houve nada igual
O vice-presidente da Associação dos Apicultores da cidade, Walmor Kirchhof, 65 anos, confirma que a mortandade é generalizada, atingindo a todos os apicultores: “Nunca tinha acontecido nada igual como nesse ano, todo o pessoal da região perdeu uma barbaridade de abelhas”, relata.

Das suas 200 caixas sobreviveram apenas 40 colmeias. “Teve local que não sobrou nenhuma caixa”, completa. Até alguns anos atrás, perdia meia dúzia de caixas por ano.

Kirchhof garante que “doença não foi, as abelhas estavam fortes e estavam produzindo mel”. Mas, de repente, morreram todas e apodreceu tudo nas caixas. “Geralmente as traças comem a cera (quando as abelhas morrem por algum outro motivo), mas neste caso nem as traças apareceram, também morreram”, acrescentou.

Ele é aposentado, trabalha com isso há 35 anos e o mel é a maior parte da sua renda. “É um prejuízo enorme, a gente depende disso aí”. Como fornece para a merenda escolar, precisou comprar mel de outros fornecedores, de regiões distantes, para cumprir as encomendas.

Vontade de desistir
Distante dali, bem no interior de São Borja, junto ao rio Uruguai, na fronteira com a Argentina, Vilmar Soares, 78 anos, que tem na atividade um complemento para a aposentadoria, já pensou até em desistir da apicultura. “Tinha 223 caixas, sobraram 70”, relata. Dos 900 quilos que costumava colher das colmeias agora só colhe 200.

Ele conta que o extermínio começou por volta de 2014 e também está certo de que vem acontecendo por causa dos venenos das lavouras: “Já vi um enxame e no outro dia, depois que passaram veneno por perto, as abelhas estavam todas mortas. E a caixa fica imunizada, porque novos enxames na mesma caixa morrem também. Disseram que é um veneno que se um só inseto leva para a colmeia, contamina todas as outras”.

Assim como tantos outros, não procurou ajuda de ninguém, nenhum técnico, nenhuma autoridade, porque não sabe a quem procurar. Mas, principalmente, porque não quer “se incomodar” com os vizinhos agricultores, que estão utilizando os agrotóxicos: “A gente precisa dos vizinhos”, explica.

Soares diz que já se sentiu “desacorçoado”, um termo fronteiriço para desânimo, desalento. Pensou em desistir, mas vai continuar, por enquanto, tentando salvar o que restou da matança das suas abelhas pelos venenos das lavouras.

Da conversa com eles fica muito evidente que, além do negócio, cria-se uma relação de grande afeição por esses insetos, que Garlet conhece desde criança, quando ajudava o pai a produzir mel: “Na apicultura, se a pessoa não gosta das abelhas não funciona, a apicultura é uma profissão diferente, é algo da natureza, tem que gostar do bichinho”.

Por isso, se o prejuízo desses apicultores é enorme, o abalo emocional pela mortandade também: “É horrível!”, desabafa Kirchoff.

Situação extremamente grave
A situação é tão alarmante que foi criado um Grupo de Trabalho da Mortandade das Abelhas, em 2015, ligado à Câmara Setorial (Casam). Durante um ano, entre 2015 e 2016, o GT fez estudos, reuniões, e, mês passado, entregou suas conclusões ao secretário da Agricultura, Ernani Polo.

“É uma situação extremamente grave”, define Sanderlei Pereira, coordenador da Emater/Ascar em Candelária, que coordenou o GT. “Estimamos uma redução de 40% do volume de mel colhido nas últimas safras e uma diminuição de 40% das colmeias do RS”. O GT constatou que todo o Estado está sendo atingido pela mortandade, com maior intensidade nas regiões com maior produção de cultivos anuais, como soja, arroz e milho.

A apicultura gaúcha exercida basicamente por pequenos agricultores/apicultores. Isto é positivo, diz Sanderlei, porque distribui muito bem geograficamente as colmeias e seus benefícios, na melhoria da alimentação das famílias rurais, na comercialização do seu excedente, agregando renda, e também pela polinização das culturas na propriedade. “Por outro lado, isso dificulta o levantamento da morte das colmeias e da diminuição da colheita”.

Fipronil e Neonicotinoides
“A mortandade de abelhas ocorre também por fome, manejo errado de apiários, pólen tóxico (barbatimão), doenças e parasitas, causas essas conhecidas pelos apicultores, diferente da mortandade que vem ocorrendo nos últimos anos pela ação do Fipronil e algumas partículas dos neonicotinóides”, diz o relatório do GT.

O documento reforça como principal causa “O uso em larga escala no Brasil de agrotóxicos com efeitos nocivos às abelhas, em especial aqueles do grupo dos Neonicotinóides (Clotianidina, Imidacloprid, Tiametoxam) e Fipronil”.

Esses, especificamente, são os que têm ação fulminante sobre as abelhas, salienta Sanderlei. Eles causam a morte das polinizadoras até mesmo quando são usados no tratamento das sementes porque são sistêmicos, ou seja, entram na seiva das plantas e contaminam o pólen e néctar de suas flores, que são visitadas pelas abelhas quando acontece a floração.

Também as caixas e caixilhos ficam com resíduo de agrotóxico, muitas vezes causando intoxicação crônica na nova colmeia que ali é alojada e acaba sucumbindo também – como relataram os apicultores que entrevistamos.

Padrão das mortes
O padrão do extermínio é sempre o mesmo. A morte repentina das abelhas, na sua totalidade ou em parte, com presença de abelhas mortas na caixa. Quando há presença de abelhas vivas ao redor, elas estão desorientadas e em pequeno número e há mel produzido nos favos.

Noutros casos, as colmeias vão perdendo população até ficarem sem abelhas no final do processo. Com a diminuição da população, acontece um estresse nas suas defesas que conduz a sucessivos ataques de varroase (um ácaro), bactérias e fungos, que causam a morte dos insetos restantes.

“Nenhuma espécie de abelha está livre da ação destes inseticidas. Sempre existiu morte de colmeias, por fome, mau manejo, mas com características próprias conhecidas pelos apicultores e técnicos, em média 10% ao ano, totalmente diferente do que vem ocorrendo, com mortalidade de até 80% das colmeias”, afirma Sanderlei.

O coordenador do GT salienta que não é a proximidade das lavouras que implica nas mortes e sim os produtos químicos usados nelas. A soja, por exemplo, “é benéfica para as abelhas, produz mel de excelente qualidade e a soja também se beneficia com as abelhas através da polinização, que amplia em média 10% a produtividade da lavoura”.

Na Europa, foi registrada perda de mais de um milhão de colmeias devido às mortes causadas pelos neonicotinóides. Quanto ao Fipronil, a Agência de Proteção do Meio Ambiente dos Estados Unidos classificou esse produto como de alto potencial cancerígeno (afeta principalmente a tireóide).

GT pede a proibição de agrotóxicos

Em seu relatório final, o Grupo de Trabalho Sobre Mortandade das Abelhas no Rio Grande do Sul apresentou uma lista de propostas para conter o fenômeno que está dizimando as colmeias gaúchas. A primeira providência sugerida é o banimento dos neonicotinóides e do Fipronil, os agrotóxicos mais mortíferos para os insetos.

O documento recomenda “que esta Câmara Setorial deva solicitar aos órgãos competentes a proibição do uso das partículas dos neonicotinóides Clotianidina, Imidacloprid, Tiametoxam e Fipronil nas culturas agrícolas no Estado, e sugerir que o mesmo se faça em todo o Brasil, tendo em vista a ameaça que causam ao processo de polinização das culturas bem como ao extermínio das abelhas”.

Ele aponta que em fevereiro de 2004, há mais de dez anos, o Fipronil foi proibido na França, por ter causado a diminuição de 60% da produção de mel no país. Em setembro de 2008 os neonicotinóides foram proibidos na Itália, por mortandade de colmeias.

Abelhas mortas da espécie nativa Mandaçaia
Em maio de 2008 um dos neonicotinóides foi proibido no Sul da Alemanha (Poncho – Clotianidina), por provocar a morte de 11 mil colmeias. Finalmente, em maio de 2013, os neonicotinóides foram proibidos em todos os países da Europa.

O GT, ligado à Câmara Setorial da Policultura e Meliponicultura, explica que a ação mortal desses inseticidas nas abelhas é exercida sobre o seu sistema nervoso central, bloqueando de forma irreversível os receptores nervosos. Inclusive, os tratamentos de sementes para plantio, protegidas contra insetos com essas partículas, contaminam por ação sistêmica o néctar e o pólen da cultura, causando a morte das abelhas.

Além disso, os resíduos desses agrotóxicos permanecem no solo por mais de dois anos, sendo absorvidos pela cultura subsequente ou pelas plantas indesejáveis, que assim continuam intoxicando as abelhas através do pólen e néctar que posteriormente oferecem às mesmas.

Sem contar que nas análises de água em riachos na Europa foram encontrados altos índices dessas partículas. “Pela forma de ação destas partículas sobre as abelhas, contaminando a água, o solo e os alimentos (néctar e pólen), não é possível a convivência das abelhas com o uso destes químicos”, sentencia o relatório. O documento foi entregue ao secretário estadual da Agricultura, Ernani Polo, mês passado.

Risco para o ser humano
No Estado encontram-se 324 espécies de abelhas, das quais apenas 24 possuem características de abelhas sociais (que vivem em colmeias), tidas como abelhas sem ferrão, e o restante são abelhas solitárias. Todas com um papel no serviço ecológico da polinização importantíssimo, não só quanto ao aspecto econômico como também ambiental, destaca o coordenador da Câmara Setorial, Nadilson Ferreira.

Doutor em polinização pela UFRGS, ele explica que os meliponíneos (abelhas sem ferrão) polinizam até 90% das plantas com flores dos trópicos e 70% das necessidades da polinização nas culturas agrícolas dependem das abelhas. “Estas populações de abelhas estão sendo atingidas e nada é feito para conter esses impactos. Inclusive, torna-se até um crime ambiental, já que esses animais fazem parte da fauna nativa”, afirma.

Ferreira alerta para um aspecto ainda mais preocupante: “A abelha é uma das indicadoras de qualidade ambiental. Se a abelha está morrendo implica que tudo que se encontra naquele ambiente está em risco, inclusive o homem”.

Ele espera que o assunto seja debatido no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), para que ali surjam normas que permitam o convívio harmônico entre agricultura e apicultura. Algo que não inviabilize a agricultura tradicional, mas também sem esta inviabilizar a apicultura, porque existe um ponto de interesse comum que é a polinização, que é “importante, fundamental, para a produção”, destaca.

Desaparecimento nos Estados Unidos e Europa
Coordenador do Laboratório de Apicultura da Faculdade de Agronomia da UFRGS, o agrônomo Aroni Sattler esclarece que o fenômeno no Estado é diferente do “sumiço de abelhas” que está acontecendo nos Estados Unidos e Europa. Lá, desde 2006 ocorre uma enorme perda de colmeias pelo desaparecimento rápido e sem qualquer vestígio quanto ao destino das abelhas.

A repercussão foi muito grande e continua até hoje, pela falta de colmeias para atender à demanda na polinização de várias culturas agrícolas. O custo com polinizadores, depois disso, triplicou para os agricultores. “Apesar dos grandes investimentos para resolver este mistério, até hoje, a principal conclusão é que as causas são multifatoriais, embora a maior parcela de culpa seja atribuída aos agrotóxicos”.

Aqui os sinais são diferentes, ressalta: “Especialmente no nosso Estado, nas regiões da soja, arroz, milho e frutíferas, temos as mortandades agudas e pontuais na época em que estas plantas florescem e quando coincide com a aplicação de agrotóxicos, mas aqui a mortandade se caracteriza pela presença das abelhas mortas dentro das colmeias ou o seu entorno”.

Sattler considera “mais grave ainda a situação dos demais polinizadores, em especial as abelhas nativas, sociais ou solitárias, que vivem em abrigos naturais. Quando morre umas destas colônias por intoxicação não mais será reposta, inclusive correndo risco de sua extinção”.

Aviação agrícola
No levantamento do GT, que Sattler também integrou, foram alinhados aspectos considerados agravantes no uso de agrotóxicos, entre eles: uso de produtos não indicados para a cultura implantada e mistura de produtos sem critérios técnicos. Ausência de levantamento da população de insetos causadores da praga a ser combatida e pacotes de produtos “casados”, induzindo o agricultor à aplicação preventiva.

Os estudos apontaram ainda a não utilização de tratamentos integrados das pragas, com processos físicos, químicos e biológicos, bem como a emissão de receituário agronômico pelo próprio agente técnico que faz a venda do agrotóxico. Além disso, acontece com frequência a aplicação de produtos em épocas inapropriadas.

Outro complicador mencionado é a pulverização por aviação agrícola. “A aviação piora muito a mortandade porque a dispersão (deriva) dos produtos químicos é bem maior do que na forma terrestre da aplicação, por mais que digam que controlam a aplicação aérea, por inviabilidade técnica, por causa dos contratos, a dispersão atinge áreas de extensão bem maiores que a aplicação terrestre”, diz Ferreira.

Por fim, o GT cita as grandes extensões monoculturais, como eucalipto. Apesar de ser rico em néctar e pólen, essa planta não possui uma proteína essencial para as abelhas (isolucina), o que provoca a diminuição de abelhas ao final da temporada, mesmo com a produção de mel, obrigando a transferência de colmeias para locais de pasto apícola mais equilibrado, nutricionalmente falando.

Fenômeno crescente e global
O fenômeno da mortandade é crescente, de grandes perdas, e consequências graves, adverte a diretora do Instituto do Meio Ambiente da PUC, Betina Blochtein. Bióloga e doutora em zoologia, ela trabalha há mais de 20 anos no estudo das abelhas e observa que há um fenômeno global de declínio dos polinizadores.

Uma causa muito importante, afirma, é a perda ou alteração do habitat, pela expansão da agricultura ou urbanização: “A conversão de áreas naturais para terras agrícolas em grande escala tem um fortíssimo impacto na diminuição dos polinizadores, é um problema muito sério e antigo que continua no Brasil”. Mas em todos os países onde acontece o problema também ocorre a utilização em grande escala dos agrotóxicos, acrescenta.

Ela observa que a matriz agrícola no país é dependente dos agrotóxicos. Sendo assim, “é preciso fazer escolhas e usos de boas práticas; há manuais e documentos internacionais sobre conservação das abelhas, indicando como conservar os polinizadores”. No entanto, a mortandade que está ocorrendo demonstra a ausência dos cuidados necessários, “por desconhecimento, por falta de consciência e de treinamento das pessoas”.

A bióloga questiona, por exemplo, a pulverização aérea, já apontada pelos outros especialistas, que pode espalhar o produto numa área bem maior que a das lavouras. Também alerta para a aplicação em dosagens muitas vezes exageradas, e revela que há relatos de agricultores que misturam vários produtos para economizar a aplicação, de uma vez só. Isso pode estar agravando ainda mais os danos sobre as abelhas, adverte.

Outra circunstância a ser considerada são os chamados efeitos subletais. Com baixa dosagem de agrotóxicos, as abelhas não vão morrer, mas vão ter consequências subletais, como dificuldades de orientação, daí não conseguem retornar às colmeias, diminui a população, baixa a sua imunidade, ficam mais suscetíveis a determinados gêneros de bactérias e sucumbem de maneira silenciosa. Muitas vezes os agricultores não percebem do que se trata e chamam isso de “colmeia fraca”.

Sistema de SOS
Betina ressalta que não há um sistema de SOS, que os apicultores, agricultores e as pessoas em geral possam chamar quando ocorre a mortandade para investigar o que aconteceu, fazer as análises necessárias e determinar as providências a serem tomadas.

“A sociedade não tem consciência da necessidade da conservação das abelhas”, critica a diretora do IMA. “A sociedade tem que se unir para enfrentar esses problemas. Vários países da Europa proibiram a pulverização aérea e vários produtos de difícil controle foram banidos”, aponta.

A especialista garante que, sendo usados mediante uma necessidade real, comprovada, e nas quantidades indicadas, diminuiriam em 70% os agrotóxicos nas lavouras. Ou seja, com boas práticas seria possível usar apenas um terço do que se usa hoje desses venenos e reduzir em muito o impacto sobre as abelhas. Mas também é necessária uma fiscalização eficiente dos órgãos ambientais e que todas as áreas envolvidas conversem entre si, conclui a bióloga.

Exceções estão longe das lavouras

Numa comprovação da relação dos agrotóxicos com a mortandade das abelhas, os apicultores que não se queixam do problema são, justamente, aqueles que mantém suas colmeias longe das lavouras.

É o caso dos que costumam vender o mel orgânico na Feira Ecológica da Redenção, na capital, como Manoel Souza, 64 anos, que vem aos sábados de Santo Antônio da Patrulha, onde reside, para negociar o produto.

Manoel Souza e o filho Marcos, em Porto Alegre
Ele tem 300 colmeias espalhadas por São Francisco de Paula, Taquara, Pantano Grande, Palmares do Sul, produzindo de seis a oito toneladas por ano. Não teve nenhuma ocorrência, até hoje, de mortalidade de abelhas acima do normal.

“Tem que escolher bem o local, nessas regiões não têm grandes plantações, não tem nada que tenha pulverização (de agrotóxicos)”, conta. O maior problema, na opinião dele, está nas plantações de soja, que chegam a receber três ou quatro pulverizações de venenos por safra.

Por isso instala suas abelhas em lugares mais isolados e trabalha no sistema de migração, que desloca os enxames de uma região para outra a fim de garantir nutrição adequada para elas. Por exemplo, de outubro a março ele mantém as colmeias na divisa de Taquara com São Francisco. Quando a florada das plantas na Serra está terminando, ele desloca-as para o Litoral, onde a florada está começando.

As abelhas são transportadas em caminhões adaptados, protegidos por telas e sombrite. Se não fizer a migração, explica, a colheita do mel cai à metade, por causa do clima e da vegetação inadequada para as abelhas. Elas mal chegam à nova casa e já fazem o reconhecimento da área, num raio de três quilômetros.

“Em apenas 20 minutos já estão produzindo mel”, conta Marcos, 35 anos, filho de Manoel. Desta forma, na sua banca, eles colocam à venda uma grande variedade do produto, como o tradicional mel de eucalipto e também de quitoco, uva do japão e aroeira, entre outros.

João Luiz Freitas, 64 anos, de General Câmara, também não teve ocorrência de mortandade das abelhas nas suas colmeias. Na ausência dos agrotóxicos, os maiores riscos para as abelhas, segundo ele, são os períodos chuvosos e a desnutrição, principalmente no outono, nas épocas em que acontecem semanas seguidas de precipitação.

Outro vendedor da Feira Ecológica, Fernando Presser, contudo, enfrentou um episódio de morte anormal de suas abelhas, com a perda de 15 colmeias, ano passado. Elas ficaram fracas e morreram. Mas não é possível afirmar que tenha sido por causa das plantações de soja nos arredores, diz.

Em todo caso, Presser decidiu publicar num jornal de Sertão Santana um alerta aos apicultores da região, para que mantenham suas abelhas bem distantes das lavouras. “Tem que se retirar da soja, porque a abelha é muito suscetível a qualquer fungicida ou veneno”, adverte.

Apoio ao setor
Segundo o coordenador da Câmara Setorial da Apicultura e Meliponicultura (Casam), Nadilson Ferreira, foram tomadas diversas medidas para apoiar os apicultores. Como exemplos ele cita o projeto de lei da política para apicultura e meliponicultura que tramita na Assembleia Legislativa, e a normativa para o transporte de abelhas, inédita no país, publicada no Diário Oficial do Estado dia 26 de junho.

Também está acontecendo a reestruturação das inspetorias veterinárias para atendimento do setor, com a capacitação de 30 técnicos que ocorreu em abril e uma nova turma que está prevista. Haverá ainda uma campanha de esclarecimento sobre a morte das abelhas a ser lançada brevemente, adianta.

Além disso, no final de junho, a Secretaria da Agricultura Pecuária e Irrigação (Seapi) anunciou a implementação do Sistema Integrado de Gestão de Agrotóxicos (Siga), um sistema online que integra as operações de comércio e utilização destes produtos. Teoricamente, ele vai permitir a rastreabilidade do seu uso nos cultivos agrícolas, o controle da emissão de receitas e o processo de coletas para análise de resíduos, disponibilizando um banco de dados atualizado.

A fiscalização do uso de agrotóxicos proibidos, contrabandeados, das misturas de produtos químicos não recomendados e o controle do receituário agronômico é uma das recomendações do Grupo de Trabalho da Mortandade das Abelhas.

Quanto à proibição dos agrotóxicos mais perigosos para as colmeias (Clotianidina, Imidacloprid, Tiametoxam e Fipronil), como foi sugerido, não consta nenhuma iniciativa neste sentido.

Veja o que apresentou o relatório do Grupo de Trabalho da Mortandade das Abelhas como propostas:

1. A recomendação de que esta Câmara Setorial deva solicitar aos órgãos competentes a proibição do uso das partículas Clotianidina, Imidacloprid, Tiametoxam e Fipronil nas culturas agrícolas no Estado, e sugerir que o mesmo se faça em todo o Brasil, tendo em vista a ameaça que causam ao processo de polinização das culturas bem como ao extermínio das abelhas.

2. Que os apicultores e meliponicultores sejam informados sobre os programas e calendários de controle de pragas rotineiros da sua região e quais produtos utilizados.

3. Os setores envolvidos: apicultores, meliponicultores e agricultores formulem regras de convivência e acordos com base em informações mútuas, pois polinização e flores são de interesse do grupo.

4. Colocar nas caixas o nome e fone do apicultor e ou meliponicultor para que o mesmo seja avisado com antecedência de alguma prática envolvendo agrotóxico.

5. Na impossibilidade de uso de produtos não tóxicos a abelha buscar o de menor ou Baixa toxidez.

6. Adotar, quando possível, métodos de aplicação menos impactantes para os polinizadores.

7. Quando da aplicação de agrotóxico ver a possibilidade de confinamento das abelhas com oferta de alimento e água.

8. Buscar horário de aplicação do produto químico incompatível com o horário de atividade das abelhas.

9. Uso de programa integrado de controle de pragas e produtos seletivos.

10. Cuidados com o descarte de resíduos e embalagens de agrotóxicos.

11. Usar agrotóxicos só quando ocorrer Nível de Dano Econômico (NDE).

12. Que o Estado intensifique a fiscalização do uso de agrotóxicos proibidos, contrabandeados, misturas de produtos químicos não recomendados, bem como maior controle do receituário agronômico.

13. Quando possível, locar os apiários e meliponários distantes das áreas agrícolas, tomando como referência o diâmetro de voo da espécie utilizada. Apis melífera 6,0 km; Meliponíneos em geral 2,0 km; Bombus e Xylocopa 10,0 km.

14. Manter, implantar ou recuperar áreas de amortização, Reserva Legal, e APP.

15. Melhorar o pasto apícola e meliponícola nas proximidades do apiário ou meliponário promovendo o efeito de fuga.

16. Incentivar a agricultura orgânica ou métodos assemelhados.

17. Provocar os programas e projetos do Ministério da Agricultura, Meio Ambiente e SEAPI e Frente Parlamentar para formação de um Fórum de discussão de política agrícola para o uso racional de agrotóxicos ou zoneamento das atividades com abelhas visando reduzir os impactos dos agrotóxicos sobre os polinizadores, ambiente, aplicadores e consumidores.

Participantes do GT:
1. Aroni Sattler
2. Édison Eckert Fauth
3. Ismael Horbach
4. Luis Fernando Wolff
5. Marli Kohler
6. Michele de Castro Iza
7. Péricles Boechat Massariol
8. Rogério Dalló
9. Valesca G. Finger
Coordenador: Sanderlei Pereira
Supervisor: Nadilson R. Ferreira.

(Ecoagência/Envolverde)